Histórias de Personagem #4 - Bernardo/Marzia Amorielli

A Principessa Marzia, que em seu interior jazia um príncipe tão incrível quanto.
Marzia, filha mais nova de Benito Amorielli fora considerada a mulher mais bela da Cosa Nostra ainda criança. Tomara o posto de Catarina, a filha mais velha de Alero...

A Principessa Marzia, que em seu interior jazia um príncipe tão incrível quanto. 
Marzia, filha mais nova de Benito Amorielli fora considerada a mulher mais bela da Cosa Nostra ainda criança. Tomara o posto de Catarina, a filha mais velha de Alero Valachi, porque a mesma se comportava como um garoto insolente, diziam as más línguas. Seus cabelos ruivos também ajudaram na escolha de seu título. 
Mas Marzia desde muito pequena já se sentia completamente deslocada. Sentia-se uma estranha em todo e qualquer lugar, até mesmo em seu próprio corpo. Preferia carrinhos à bonecas, assim como se sentia extremamente desconfortável quando rodeada de suas amigas. Não sabia como reagir quando interrogada sobre seu primeiro amor. Não era capaz de explicar a razão de odiar maquiagens, saias, vestidos, roupas íntimas com tantos bordados e calcinhas. Deus, ela odiava saltos. Mas aprendera a usá-los, a manter sua aparência angelical, sua personalidade cortês e feminina. Ela sabia o que acontecia com as pessoas que iam contra as imposições da sociedade em que vivia. Se no mundo externo a ideia de um homem habitar o corpo de uma mulher era polêmica, nas paredes fechadas da máfia conservadora, então…
Marzia sabia que era um garoto. Não, não era lésbica. Aos olhos alheios as duas coisas eram as mesmas, o que a fazia perder a paciência. Com 5 anos, seu colega de classe e também herdeiro dos Valachi lhe tratava como um menino. Ela se assustou. 
“Isso é muito interessante. Catarina me contou. Não é justo você vestir essa fantasia de menino. Eu sei que você é um. É como uma pérola, acanhada dentro de uma concha. Mas você não precisa se esconder!” Jaime gritou no pequeno parquinho da escola, atirando-lhe uma bola. Marzia assentiu discretamente. Tinham a mesma idade, porém ele era três meses mais velho. Ouvia falar que quando adultos as famílias os obrigariam a se casar. 
“Como ela sabe disso?” Marzia perguntou, curiosa. 
“Ela sabe das coisas. O nome é… homem transexual. É normal, não se preocupe. Você não precisa se sentir estranho, você só está no corpo errado. Não há nada de anormal” ele respondera calmamente, sorrindo-lhe largamente. 
“Somos crianças” Marzia censurou, incerta. 
“Crianças, não idiotas. O professor Bernardo diz que tenho uma inteligência acima da média, até quis me levar a um amigo psicólogo… diz que sou, como é o nome? Superdotado?” ele comentou, entusiasmado. 
“Você é só incrivelmente falante”
“Tanto faz” ele deu de ombros, então fixando seus olhos azuis em seu semblante “Bernardo! Posso te chamar assim? É mais fácil de processar. Vocês são parecidos”
Marzia engoliu em seco, sentindo-se estranhamente feliz. 
“Pode” ele enfim concordou. 
“Bernardo, você é um homem trans gay? Querem que a gente case” Jaime perguntou, pouco confiante. 
Marzia, então Bernardo, não soube entender o termo. Sabia o que era gay, apesar de sua família negar qualquer resposta sobre isso. Transexualidade era outro termo que acabara de conhecer. Ele pensou que tinha algo a ver com as histórias de contos de fadas, onde suas amigas tanto narravam querer um príncipe encantado no futuro. Queriam casar com um. 
Ele, porém, se sentia mais interessado na ideia de viver com uma princesa. 
“Pode me perguntar isso em alguns anos? Eu não sei”
“Pode deixar”, ele confirmou. 
Dez anos depois, Jaime já não era o mesmo garotinho que conversa animadamente sobre qualquer assunto. Marzia ainda era Marzia, a princesa da organização. Sua festa de 15 anos fora digno de um filme da Disney e não houve momento mais triste e desconfortável para ele. Queria que alguém mais lhe chamasse de Bernardo. O único que o chamava dessa forma e o reconhecia como quem realmente era se tornara um adolescente transtornado, pairando entre reformatórios e escolas privadas. Bernardo sentira muito por Catarina. Sentia ainda mais pelo fato de sua família a ter sequestrado e matado. Não tinha coragem de falar com Jaime, o mais afetado pela barbárie. 
Mas lá estava ele, sentado de cabeça baixa, próximo ao pai. Vestia um terno elegante que Bernardo desejou também usar, no lugar do vestido. Ele se tornara atraente, alto, mas de índole imprevisível. Às vezes encorporava outra pessoa. Bernardo sabia de certa forma como ele se sentia, pois constantemente se via disputando sua sanidade com as duas personalidades que habitavam seu ser. A Marzia, garota treinada para ser uma dama e Bernardo, o garoto que queria se libertar. 
“Você é um homem trans hétero”, a voz baixa e recuada de Jaime o assustou. Bernardo se virou, vendo-o inclinado sobre a mesa de doces, recebendo olhares curiosos de suas amigas. 
“O quê?”, Bernardo replicou. 
“Você gosta de meninas” ele explicou. Bernardo riu, nervoso. 
“Você lê mentes?”
“Olhares. Seus olhos brilham quando olham para sua amiga” ele apontou discretamente para a mesma garota que o fitava com interesse. 
“Ela parece gostar de você” Bernardo lamentou. 
“Estou compromissado com você há dez anos” Jaime ironizou. 
“Dizem que sou sortuda por tê-lo. Quero dizer, minhas amigas são doidas por você” Bernardo comentou. Jaime pareceu desinteressado. 
“Elas sabem que sou doido?” 
“Eu acho que o mistério por trás de você apenas aumenta seu… charme?”
Foi a primeira vez que Jaime riu para ela desde o jardim de infância. 
“Bernardo, um dia a liberdade vai aparecer. Nem que eu morra tentando consegui-la” ele finalizou, deixando-o a sós com um manear de cabeça. 

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