Histórias de Personagem #3 - La Belladonna



Thalia Castellano é o que podemos chamar de uma clássica florentina: apaixonada por artes, passou grande parte de sua vida estudando para se tornar uma restauradora. Suas mãos firmes e olhar analítico, eficiência com química e inteligência notável sempre a colocava no topo de suas classes. Seu lugar favorito desde criança fora a Galleria Degli Uffizi e seu primeiro amor, certamente, ‘O Nascimento de Vênus’ de Botticelli. 
Trabalhava meio período junto de sua irmã em um bar nas proximidades do museu e encontrava nesse ambiente inspiração para alguns rabiscos. Conheceu seu então marido Gianluca Benacci, um assíduo cliente que volta e meia a paquerava e fazia-lhe rir com piadas inteligentes envolvendo pintores renascentistas. 
Thalia se tornou uma boa ouvinte e amiga de várias prostitutas que usufruíam das calçadas do bar, dando-lhes conselhos aleatórios e oferecendo um ou dois drinques por conta da causa, principalmente em dias frios. Às vezes espantava algum homem grosseiro para poupá-las de humilhações. Apesar de saber que a maior parte da clientela das garotas eram homens da Ndrangheta, não se assustava tão fácil. Certa vez, atendendo a uma senhora abatida, ouviu seus lamúrios sobre a violência doméstica que ela e algumas amigas sofriam. Thalia, então, deu-a num vidrinho de perfume, um veneno letal. Belladonna. Orientou-as a colocar junto à comida. Tudo ficaria bem, qualquer suspeita se dissiparia, pois o veneno fazia parecer um ataque cardíaco. 
Ao longo dos anos, Thalia ficou conhecida como ‘La Belladonna’. 
Foi em uma noite de verão de 2004, ao retornar de uma de seus passeios pela Galleria Degli Uffizi que ela viu a cena que a faria remodelar sua vida e personalidade: o bar, tomado por um incêndio, iluminava toda a rua. Thalia correu, gritou por sua irmã e marido, mas em vão. Seus corpos já estavam em sacos pretos, encaminhados à ambulância. 
Três dias depois, os carabinieri confirmaram as suspeitas dela: o incêndio criminoso viera de uma guerra de máfias. Os homens da Ndrangheta que tanto Thalia expulsava foram aniquilados covardemente por uma invasão da Cosa Nostra, liderada pelo recém nomeado capo, Don Anthony Castellano. 
Ela abandonou sua vida. Seus sonhos de se tornar restauradora. Abandonou Florença. Abandonou a si própria em busca de vingança. Encontrou o culpado, jurou matá-lo. Mas matar a cabeça de uma organização criminosa não era uma tarefa fácil para uma mulher solitária. Então, ela o seduziu. Por longos 10 anos, tornou-se sua nova esposa. Thalia era espetacular, não era de se esperar que o temido Don Anthony se apaixonasse. 
Em território inimigo, onde ironicamente ela era rainha, Thalia arquitetou seus planos. Negou ter qualquer filho do homem com quem dormia. Negou se permitir encantar por seu carinho, pois sabia de sua índole. Entre conversas sobre história da arte, encontrou um bom ouvinte: o filho do consiglieri, que acabara de retornar de uma clínica psiquiátrica. Era um bom garoto. Apesar de tratá-lo como um adolescente, o jovem era apenas 3 anos mais jovem do que ela. Às vezes ele a fazia lembrar de Gianluca, o marido morto. 
Encontrou nele o mesmo espírito de mágoa e desejo de vingança. 
E ela veio. 

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